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Tinha tudo para ser uma sexta-feira qualquer. Daquelas em que, mesmo com a inóspita queda brusca de temperatura em plena primavera, os convites para a noite iminente começam a tomar conta da atenção dos alunos de uma faculdade. Dentro do prédio do Centro Universitário Newton Paiva, situado na região Noroeste de Belo Horizonte, era quase possível cortar em fatias a agitação que pairava no ar. Toda a intensidade, o vai e vem de pessoas pelos elevadores e escadas, munidos de risadas e conjecturas em alto e bom som sobre o que a noite lhes reservaria, toma um soco na boca do estômago quando em um canto do 3º andar, a figura de uma pessoa insiste em inundar com serenidade, mesmo que ainda numa redoma imaginária, tudo aquilo que lhe cerca. Tal qual uma esmeralda das mais colombianas, emana de longe o brilho que aquele momento da tal sexta-feira qualquer reservara. Tal qual uma esmeralda, tem-se ali uma joia rara, de extração laboriosa, de história única e valor ainda imensurável. Não seria a mobilidade reduzida que manteria história como essa encarcerada em uma cadeira de rodas. Meire Ellem já aguardava pelo encontro.

 

Aos 31 anos de idade, Meire Ellem Diniz Costa Galvão tem se recusado a perder na vida, por mais que essa endureça a peleja sempre que possível. Diagnosticada logo no primeiro ano de vida como portadora de Tetraparesia , Meire tem se mostrado produto da somatória de superação e força de vontade. A cadeira de rodas motorizada é a companheira de todas as horas, assim como a mãe, Dona Aparecida. Juntas e com avidez exemplar, perseguem vários, mas em especial, um sonho: o estudo contínuo. A mobilidade reduzida é dificuldade maior até mesmo que qualquer preconceito, mas jamais invencível. Com esforço, Meire pavimenta com triunfos o mesmo chão que os frágeis pés não conseguem tocar.

 

Desde criança Meire se mostrou propensa aos estudos, mas sua condição física era quem ditaria seu ritmo e destino. Nascida em Belo Horizonte e criada em Contagem-MG, estudou até a 6ª série, quando foi obrigada a largar tudo em 1996. Nessa época, utilizava cadeira de rodas convencional para sua locomoção, o que implicava em muitas dificuldades devido à sua condição limitativa. Além disso, contava sempre com a presença da mãe, que veio a engravidar, tendo assim que interromper a dedicação integral tão fundamental para os estudos de Meire.

 

 

Sem auxílio da mãe e qualquer tipo de opção alternativa de locomoção, foram oito longos anos sem entrar em uma sala de aula e o sentimento de que, mesmo restringida, não se daria por vencida. Esse período serviu para que Meire mantivesse a ambição de continuar estudando, principalmente quando passou a frequentar o Hospital Sarah Kubitschek em fisioterapia. Lá, o acompanhamento pedagógico tomou forma de anjo, com a pedagoga Vanessa Machado motivando Meire todos os dias a correr atrás do seu grande sonho. Por uma dessas ironias da vida, o nome do tal anjo foi “esquecido”. Sentindo-se instigada mais uma vez, em 2004, aos 22 anos, Meire voltaria a estudar para terminar o ensino fundamental e médio. “Voltei e tive que estudar com crianças de 11, 12 anos na mesma sala. Foi muito difícil, mas engraçado, pois tinham muitas curiosidades em relação ao meu estado. Os professores viram que pelo meu desenvolvimento eu poderia estudar além da sala de aula para poder concluir duas séries em um ano e foi o que ocorreu” .

 

As dificuldades seriam muitas e Meire sabia disso, com os problemas de sua mobilidade afetando bastante sua retomada de rumo. A escola não era totalmente adaptada para receber pessoas com deficiência, o que direta e indiretamente refletiu em seu desempenho em sala. É quando, num sopro mitigante de esperança, Jéssica Sandim. A também aluna da escola passou a se aproximar de Meire no dia a dia, plantando a semente do que viria a se tornar uma bela amizade. “Quando me aproximei da Meire foi primeiramente no intuito de ajudar. Não esperava que fossemos nos tornar amigas nem que nossa amizade durasse tanto tempo. Senti a necessidade de ajudar porque a primeira vista ela parecia uma pessoa frágil, mas com o passar do tempo percebi que ela é muito mais forte do que parecia.”. Foram colegas ao longo de todos os outros anos escolares, sempre juntas, se ajudando, numa relação quase que simbiótica. “Na verdade, esse tempo todo em que convivemos juntas quem mais foi ajudada fui eu, porque pude ver de perto o exemplo de uma pessoa determinada como a Meire, que não faz de suas limitações físicas os obstáculos. Tive várias lições de vida, e me orgulho muito dessa amizade.”

 

Além do apoio localizado de Jéssica, por três anos Meire contou com o pai em sua locomoção. Até que em 2007, entra em cena o recém-criado programa da prefeitura de Contagem, o Sem Limite. O programa garante aos inscritos uma opção de transporte e mobilidade, através de vans adaptadas, para fins educativos e de saúde. Meire viu a chance de resolver um de seus maiores problemas. Dona Aparecida, com resignação característica de mãe, consegue logo uma inscrição para Meire, que ingressa no programa no mesmo ano. Conseguiu permanecer na Escola Adriano Costa para finalizar o ensino médio, formando-se, cheia de orgulho, em 2008. A partir da retomada da autoestima, com uma opção de mobilidade e marcada pela ambição, a história de Meire finalmente decola.

 







 

Para nunca deixar de sonhar

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